Sua Força

by julianacandido83@gmail.com

Eutanásia nem estava em meu dicionário. Até o dia em que entrei na UTI para te ver, após seu segundo dia de sua segunda internação. Dra. Lilia nos avisou que apesar de estar estável em relação aos seus sinais vitais, e de ter passado uma noite tranquila, você estava piorando. Hoje você estaria sem grandes respostas a estímulos.

Quando entramos na UTI e te vimos deitadinha sem nem se mexer, com uma respiração pesada e olhar mais sonolento, sabíamos que ali poderia estar iniciando suas últimas horas, em face a esta piora em relação ao dia anterior. Nos despedimos de você dizendo para você ter uma passagem tranquila, em paz e com Deus. Que após ficaria tudo bem com você.

Na sala ao lado da UTI, salinha que todas as manhãs desse longo período ela nos recebia e atendia, ela nos explicou detalhadamente de seu quadro e que você poderia estar entrando em um estado de quase coma. Questionamos seus sentidos, sensações e sofrimento desse período. Aí toquei na possibilidade de eutanásia em caso de sofrimento.

Nunca pensei em precisar tocar nisso, afinal até ali lutei incondicionalmente pelo seu bem estar e sua vida. Talvez até demais. As vezes chegava a te comparar com aquelas crianças que vivem numa bolha de vidro. Mas era zelo extremo pelo amor incondicional que eu tenho por você. Então me perdoe todos os chocolates, pães, carnes gordurosas, e outras coisas que você queria incansavelmente, muitas vezes babando de vontade e eu apenas colocava um pedacinho mínimo em sua boca e que talvez nem dava para você sentir o sabor. Tinha medo de te dar problemas, dor de barriga, complicações futuras e por aí vai. Desculpe também por todas as vezes que você quis ficar solta como os outros cachorros e eu nunca deixei.m, a não ser na Praia, até o susto que você me deu de três cachorros de rua correrem desesperadamente atrás de você e eu correr desesperadamente para te alcançar mais rápido que eles. Haja fôlego para te acompanhar e enfrentar a situação.

Mas este assunto delicado, teve que vir à tona. Nesta altura, eu que sou católica por batismo, mas nunca acreditei muito em religião, já havia rezado todas as Aves Marias possíveis, feito promessas dificílimas para mim e estava até andando com um rosário que trouxe do Vaticano na mão direita direto pela Clinica. Na noite anterior outra médica querida que estava de plantão havia nos falado sobre isso. Tema tabu mas que firmemente levante com Dra. Lilia. Ela me disse que nunca iria tocar neste assunto sem que nós tocássemos nisso, pois a vida é sua prioridade. No entanto, todo sofrimento tem limites. E ali deveríamos pensar sobre. Ela explicou os motivos que levam a essa possível decisão, que deveria ser só nossa, contou de suas próprias cachorrinhas que ela teve que optar por isso, e saímos dali para pensar tranquilamente e com a razão, acima do coração.

Ela nos recomendou que deveríamos pensar em você acima de tudo, para não ter sofrimento. Todavia, devíamos pensar em mim e na culpa ou frustração que eu poderia sentir após isso.

Sabia que minha mãe era contra. Então saímos dali para conversarmos a respeito. Enquanto andávamos a pé flanando pelas ruas próximas à Clinica, conversamos sobre dor, fé e esperança. A decisão deveria ser minha e que ela não iria participar, mas acreditava que você não precisaria até esse horário pelo estado que te vimos.

Uma das coisas mais fortes para mim são meus objetivos e o que para conquistá-los. Luto muito arduamente por tudo, pois na minha vida nada veio de graça, mas aprendi com dois tombos que me doeram muito, que às vezes devemos saber perder e não podemos ir contra as regras impostas pelo destino. A sua situação era uma delas é seria minha terceira perda em relação à luta contra algo. Resolvido. Me passou pela cabeça comprar flores, instalar em uma salinha para o momento é fechar seus olhinhos quando fosse a hora. Começamos a buscar opções de cremação, liguei para algumas, imaginei que eu mesma faria sua preparação afinal sou sempre eu a responsável pela sua vaidade (a que não tenho inclusive).

No entanto, quando fomos te visitar próximo ao horário do almoço, ao entrar pela porteirinha da sala da UTI e nos aproximarmos de seu berço de metal, onde você estava com sua fluidoterapia e seu tudo de oxigenio, vimos você levantar a cabecinha rapidinho, tentar se levantar e ficar muito feliz em nos ver. Parece que você havia recuperado toda a sua força e estava lutando para ficar em vida. Foi aí que nós olhamos e decidimos: não há condições. Devemos respeitar a decisão dela de lutar a favor de sua vida. Sem injeção final.

 

 

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