Entre a Cruz e a Espada

by julianacandido83@gmail.com

Neste mesmo dia a tarde, sentamos no banco da praça quase na frente da Clinica para passar um pouco o tempo. Já estávamos há dias ali e queríamos ser vistas menos o possível lá dentro.
Vemos que há poucos proprietários que esperam procedimentos. Mesmo sendo considerados como membros da família, como filhinhos ou xodó da casa, confesso que fiquei me perguntando até que ponto que essa relação para muitos não é uma mera bengala para a carência afetiva que sentem: na hora que precisam os pets estão ali, mas na hora que os pets precisam há outras prioridades.

Entendo que é difícil mesmo na sociedade moderna onde a constituição das famílias se torna um pouco diferente, com casais com filhos tardios e cachorros como primogênitos até a chegada do “humaninho”, pets no lugar de filhos que saíram de casa, ou de cônjuge falecido. Não que seja um papel de substituto dado ao animalzinho de estimação, mas se torna alguém para dividir as angústias, o tempo e principalmente o carinho e o afeto necessário para as dias partes ficar bem: pet e proprietário. Mas mesmo com a companhia de uns ali naquele ambiente, volto a dizer que prefiro cachorro que gente.

Em praticamente quinze dias morando na clínica, considerando que apenas três dias não fomos até lá pois você teve alta e não precisou fazer exames também, vi de tudo neste período.

Vi amor incondicional e tratamento excepcional, até situações como um cão com muita dor e sua dona deixando com outra pessoa que aparentemente não é muito adepta de cães para tomar conta enquanto ela deveria ir ao supermercado. Vi também um cão mal cuidado chegar lá arrastado pela sua dona mirim, acompanhada de sua mãe e vó. Mas não era só a menina que arrastava literalmente o cão. Percebia-se que ele não estava bem e foi empurrado pela mãe. A única que vi que tratou bem e com o coração aquela criaturinha foi a veterinária.

Além disso, percebi também olhares para nós neste período. Olhares de como quem diz: “será que elas não tem nada o que fazer da vida”? Nossa rotina enquanto você estava na UTI era clara. Chegávamos todos os dias pouco antes das 7h da manhã para saber sobre o estado de saúde e como você tinha passado a noite antes mesmo da troca de plantão. As 7h15 conversamos com sua médica veterinária, Dra. Lilia, quem sempre nos passava todos os detalhes sobre você. Te víamos, esperávamos os resultados dos exames da manhã no cantinho na frente da sala de seu cardiologista, pois lá poderíamos te acompanhar em alguns exames também e te ver. Fazíamos a visita do horário normal da manhã, por volta das 11h30. E depois a visita da tarde, 17h.

Como morávamos há 18km da clinica, não compensava fazer duas viagens de 1h00 cada uma, duas vezes por dia. Trânsito, stress, além da possibilidade de acontecer algo e não estarmos ali seria muito dolorido. Nesses últimos meses nossa rotina havia mudado bastante. Eu sai do meu antigo trabalho em uma universidade para me dedicar ao meu negócio. Minha mãe se aposentou. Essas mudanças estavam tidas encaminhadas para ficarmos mais tempo com você, possivelmente nos mudarmos de cidade, sendo que fazia uma semana tínhamos definido qual seria, e ficarmos tranquilas as três juntas. Sempre pensamos no seu bem-estar. Para mim, você realmente é um membro da família e eu precisava estar do seu lado nas horas boas e nas ruins também. Pra mim, lealdade é isso, e sabemos que no caso de convalescência a situação se torna Ainda mais cética em termos de necessidade de carinho e atenção. Como recusar ficar perto priorizando outras coisas sendo que seu companheiro está precisando de você? E se fosse alguém da família de sangue? Qual é a diferença? Então não venha me dizer que você considera como um filho seu se você não tem a capacidade de tratar como, ok? Sem melodramas e contos. Isso sim é pensar apenas no bem-estar do proprietário: me dê carinho e quando você precisar, vou pensar no seu caso…

Para mim vale a maxima: se você começou tratando como criança, na mude para tratar como cachorro quando seu amigo mais precisar de você.

Como realmente deixei tudo de lado neste período, já não me preocupava com o que iriam pensar de estarmos ali direto. No entanto, ninha mãe se preocupava.

Eu só conseguia pensar “que bom que posso ter a possibilidade de escolha”. Decidir entre o trabalho e o seu bem mais estimado, sem estigmas ou preconceito, ou mesmo cara feia de incompreensão mesmo é para poucos e agora eu estava neste time. Pensei no financeiro, coloquei na balança e não hesitei nem um pouco: é hora de cancelar por tempo indeterminado todos os projetos, cursos e possíveis contratos a serem fechados. Negócios a gente tem o tempo que for para correr atrás. Já uma vida e a saúde, te afirmo que não. E sei porque já passei por isso e nem era para estar mais por aqui hoje. Depois de uma dessas, a gente aprende a valorizar o que merece ser valorizado.

Então já estávamos evitando ficar sentadas na clinica o dia todo, já não mais pelos olhares mas pela preocupação dos veterinários com nosso bem-estar. Então, buscávamos lugarzinho alternativos para nos repousar. Como aquele banquinho da praça.

Sossego  não tinha. Justamente. O momento em que fomos nos sentar começou a limpeza. Soprador de folhas, rastelo e coleta. Três momentos para dar uma pausa na nossa siesta. Neste momento nada nos importava e nem atrapalhava. Estávamos felizes, pois havíamos saído de sua visita e você nos deu sinais claros de força, luta pela vida e melhora. Lembramos de alguns momentos que vivenciamos com você, observamos o movimento, apreciamos o canto dos pássaros. O sol forte das 13h de primavera já queimavam nossa face, mesmo com o friozinho curitibano típico que fazia, mesmo para um final de outubro. Com o celular que não desgrudava das mãos esperando qualquer sinal de notícias, nos preparávamos para a próxima visita e conversa com a veterinária.

Nesta altura, já sabíamos que seu quadro não era um dos melhores, mas ficava tranquila de saber que você não tinha dor. Mas estávamos entre a cruz e a espada: controlar a infecção ou a anemia? Um induzia o outro nesta altura.

E a minha dor, minha angústia e meu vazio já não cabia mais no peito…

E que não sabia, não imaginava e nem esperava que demoraria tanto tempo… ou que fosse mudar minha vida pra sempre…

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